terça-feira, fevereiro 14, 2006

Sobre Maquiavel e o capítulo XVII d'O Príncipe

Caríssimo Tiago:

Maquiavel é um autor que suscita grande interesse pela ruptura violenta que faz com os valores antigos em nome de uma pretensa realidade que diz existir. Ora, este que impulsionou o pensamento moderno europeu tem, quanto a mim, uma série de fraquezas no seu aliciante - e por isso perigoso - argumento.
A primeira coisa que nos urge questionar é se essa ruptura com os clássicos nos traz benefícios. Valores entranhados, muitos deles que funcionam para bem, será que é bom pô-los deste modo em causa e reciclá-los numa versão mais terra-a-terra? A minha opinião é que não, na sua maioria trocaram-se valores superiores como a amizade por outros mais cientificamente explicáveis como o do interesse. Maquiavel classifica a amizade em categorias, tendo sempre por lanterna que ilumina o seu argumento, o interesse que advirá da amizade. Ora, não é a amizade uma disposição desinteressada em relação ao outro, dando sem esperar receber? Será esta transvaloração benéfica para a alma humana? Não é esta uma visão egocêntrica, até egoísta, da amizade que deveria ser altruísta? Há o dar e o receber, claro está. Mas na tradição Cristã, é no dar que está o receber, "é dando que se recebe"...
"As amizades que se conquistam com dinheiro", diz Maquiavel a dada altura. Amizades que se conquistam pelo dinheiro? Isso existe? Eu nunca lhe chamaria amizade. Lá está o interesse pessoal no centro da definição, mesmo que Maquiavel defenda que estas "amizades" seja as mais frágeis. O problema está uma vez mais em confundir conceitos, ou no caso, mudar o conteúdo dos conceitos de propósito. Tudo para Maquiavel concluir no capítulo com o mesmo nome do teu anterior postal que para o Princípe depender menos dos outros (o que para o autor é o ideal), é preferível ser temido que ser amado!
Entre a amizade abordada n'O Príncipe e a amizade abordada n'O Principezinho, prefiro a segunda que, apesar do nome poder indiciar o contrário, considero maior e mais forte. Aconselho também como tu, a leitura de Maquiavel a todos os interessados na matéria, pois há bastantes livros que o explicam mal... mas digo porém: Cuidado, pois este genial autor é perigoso e quanto a mim, intencionalmente manipulador!
Com um abraço amigo,
AVC

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