sexta-feira, outubro 14, 2005

Filosofia ou Erosofia?

Passando os dedos pelas páginas da "República" de Platão, um grande clássico da Filosofia Política, comecei a dar-me conta de uma aparente imprecisão quanto à definição do termo Filosofia. Sabemos, por várias obras sobre o Amor visto pelos antigos gregos, principalmente pelo "Banquete" de Platão, que há três tipos de Amor tratados:

- Agapê, o Amor que se move por superabundância, normalmente associado ao latim Caritas, Caridade;
- Eros, o Amor que, ao contrário de Agapê, se move por falta, que é inatingível porque se porventura o alcançarmos, ele morre (provavelmente o mais conhecido Amor Platónico);
- Philia, o Amor a que corresponde a amizade, não egoísta, altruísta, que pressupõe uma preocupação pelo bem estar do outro, sendo que o melhor exemplo deste tipo de Amor é a relação entre Pai e Filho.

Daqui, chegamos à construção clássica da palavra Filósofo que se aprende nas primeiras aulas de Filosofia, no Secundário:
Filos = amigo
Sofia = sabedoria
Filósofo = amigo do conhecimento, amigo da sabedoria, amigo do saber.

Até aqui, tudo bem. Sabemos que o Filósofo é, por excelência, o amigo do saber. Mas olhando para um dos principais ensinamentos de Sócrates, este argumento muda ligeiramente. Vejamos então, Sócrates tem a ideia que o verdadeiro conhecedor é aquele que sabe que pouco sabe - "Só sei que nada sei" - e que quanto mais sabe, mais sabe que muito mais há para se saber! É então um apaixonado pelo conhecimento, com sede de mais e melhor conhecimento. Mais, Sócrates diz na "República" que o Filósofo é a pessoa indicada, pelas suas qualidades, para exercer o cargo de governante na Cidade. No entanto, a Política está cheia de artimanhas, fingimentos, mentiras, encenações, logo o Filósofo rejeita sempre (com a excepção de Manuel Maria Carrilho, Filósofo?!) a hipótese de arriscar a sua "contaminação" pelas impurezas da Política.

É portanto uma relação de atracção-repulsa, esta gerada pelo Filósofo e a Política. É o Filósofo que deve governar a Cidade, no entanto, ao chegar a governante, este último é corrompido nas suas virtudes, deixando aos poucos de ser Filósofo.

Com isto, o Filósofo apaixonado pelo saber, ou melhor, enamorado pelo saber, tem um tipo de amor que o move que é muito mais parecido com o Eros que com a Philia, pelas suas características próprias. Pergunto eu: se a palavra Filosofia tivesse sido inventada por Sócrates, chamar-se-ia Filosofia ou Erosofia? Eu sinto-me mais inclinado à segunda hipótese.


AVC

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