"Imagina, pois, que acontece uma coisa desta espécie, ou em vários navios ou num só: um armador, superior em tamanho e em força a todos os que se encontram na embarcação, mas um tanto surdo e com a visão a condizer, e os conhecimentos náuticos da mesma extensão; os marinheiros em luta uns com os outros, por causa do leme, entendendo cada um deles que deve ser o piloto, sem ter jamais aprendido a arte de navegar nem poder indicar o nome do mestre nem a data do aprendizado, e ainda por cima asseverando que não é arte que se aprenda, e estando prontos a reduzir a bocados quem declarar sequer que se pode aprender; estão sempre a assediar o dono do navio, a pedir-lhe e a fazer tudo para que lhes entregue o leme; algumas vezes, se não são eles que o convencem, mas sim outros, matam-nos, a esses, ou atiram-nos pela borda fora; reduzem à impotência o verdadeiro dono com a mandrágora, a embriaguez ou qualquer outro meio; tomam conta do navio, apoderam-se da sua carga, bebem e regalam-se de comer, navegando como é natural que o faça gente dessa espécie; ainda por cima, elogiam e chamam marinheiros, pilotos e peritos na arte de navegar a quem tiver a habilidade de os ajudar a obter o comando, persuadindo ou forçando o dono do navio; a quem assim não fizer, apodam-no de inútil, e nem sequer percebem que o verdadeiro piloto precisa de se preocupar com o ano, as estações, o céu, os astros, os ventos e tudo o que diz respeito à sua arte, se quer de facto ser comandante do navio, a fim de o governar, quer alguns queiram ou não - pois julgam que não é possível aprender essa arte e estudo, e ao mesmo tempo de comandar uma nau."
Disse-nos Platão, n'A República, entre as cotas 488a e 488e, cerca do ano de 387 a.C.. A análise de Sócrates não podia ser mais actual hoje, em 2007.
Este foi o postal número 300 do Curtas & Rápidas.
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